domingo, 27 de junho de 2010

maria e daniel e outros contos

José Carquete, Bento Martins e Kayola da Barca Vieira
MARIA E DANIEL E OUTROS CONTOS

1. Esporadicamente, vão surgindo laivos de lufada de ar fresco na tão propalada ausência de literatura infanto-juvenil no país, como é o caso desta coletânea de estórias submetidas a um dos vários concursos que temos ao longo do ano e que também, do seu jeito, servem para ir injetando oxigénio na arte literária, dum modo geral.
2. Alguns originais, outros nem tanto – há certos conhecidíssimos e quase sem graça nenhuma, como o da formiga e elefante, do gato e rato ou do sapo e da Maria-Café – são textos destinados a jovens leitores (de idade adolescente/jovem) sem recurso a grandes armas estilísticas, mas assentes no prazer de contar por contar.
3. “Venceu o medo. O segundo pássaro continuava em cima da gaiola. Mordeu os lábios. Estava muito nervoso. Repetiu o processo. De novo o estrondo. O terceiro pássaro saiu da gaiola. Trazia dois pasarinhos no seu bico pontiagudo. O Daniel ficou bravo. Posicionou-se. Lançou a bolinha. Desta vez a coisa foi diferente. Ao ser atingido pela bolinha, o pássaro voou para cima. Deu várias voltas pelo ar. Tombou emitindo um som agudo”.
4. Estes textos, nalguns momentos demasiadamente curtos (couberam 21 ao todo), são, no fundo, tiras da conivência Homem-Animal, Homem-Homem e Animal-Animal.
5. Personagens que corporizam, na maior parte dos casos, relacionamentos inocentes, sãos, puros e desinteressados. Os temas são recorrentes, queimadas descontroladas, greve das plantas, atividade do pescador e mesmo o colorido do Natal.
6. “Num outro dia, quando eles voltaram ao trabalho, decidiram construir uma armadilha: cavaram um buraco fundo e por dentro montaram uma ratoeira. Em seguida, colocaram capim por cima e um pouco de areia para que ninguém estranho pudesse notar e foram para casa”.
7. Não tem a ousadia do suspense, da trama e da maldade narrativa, fora a natureza cruel de alguns bichanos que são de per si maldosos – tipo o rato ou as grandes aves que comem pássaros.
8. A cumplicidade cidade-campo, que as férias escolares criavam nas crianças, assume hoje uma outra dinâmica. É que a internet e os telemóveis ou as irritantes idas a Nelspruit mudaram, e muito, as rotas das férias dos miúdos. É lógico que, à falta de locais que os chamem de forma mágica e transcendental – dentro do seu próprio país- tudo serve: Até ir ao Krueger Park dar uma volta e não ver nenhum animal, coisa que, uma simples ida à casa dos avôs, poderia facilmente proporcionar. Vale tudo, basta atravessar a fronteira. E aí gasta-se o dinheiro que não se tem, volta-se endividado e começa-se, ao longo da semana, a inventar viagens e despesas para poder sobrar algum e com ele cobrir o buraco. Uma infelicidade à escala nacional. Custa muito fazer um mall (é mall ou moll que se chama aquela espelunca?) em Resano-Garcia? Porque não investimos e os milhões de dólares ficariam cá....
9. “A Lisaura, no final do trimestre, tinha conseguido muitas amizades e notas excelentes também. Afinal de contas não havia segredo nenhum, bastava prestar atenção nas aulas e rever a matéria sempre, a escola não era um bicho de sete cabeças, bastava ter vontade de aprender”.
10. Dir-se-à que se trata de um agrupamento de fábulas que serpenteiam o imaginário moçambicano e que deveriam algumas delas servir de textos obrigatórios para certas classes do ensino básico.
11. O desenhador Moisés Utuji segura o livro recorrendo a ilustrações de grande qualidade que, a preto e branco, valem pela simplicidade e beleza. Oxalá seja distribuído pelas escolas e as crianças aprendam a ler e escrever com ele.

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